Num depoimento a apoiar a iniciativa sindical pelo reconhecimento do desgaste rápido, o médico Carlos Silva Santos aborda a situação na VW Autoeuropa, considerando que as doenças profissionais são ali um flagelo. Explica como são batidos sucessivos recordes de produção e lembra as responsabilidades patronais.
21.11.2024
O antigo Professor associado da Escola Nacional de Saúde Pública e antigo coordenador do departamento da Saúde Ocupacional da Direcção-Geral da Saúde assinala a importância da fábrica, a maior da indústria automóvel em Portugal, com grande contributo para o PIB nacional e com elevados volumes de produção.
Doenças profissionais — um flagelo na VW Autoeuropa
Dr. Carlos Silva Santos
Ex-Professor associado da Escola Nacional de Saúde Pública e ex-coordenador do departamento da Saúde Ocupacional da Direcção-Geral da Saúde
A VW Autoeuropa em Palmela é umas das maiores e mais importantes empresas em Portugal e a maior do cluster da indústria automóvel no País. É uma empresa do Grupo VW, de uma importância estratégica para a economia portuguesa, pelo seu contributo para o PIB, pelos resultados que apresenta ao longo dos anos, assentes em elevados volumes de produção anuais que, como a imprensa vem anunciando, “batem recordes”. Mas como são batidos estes ditos “recordes”?
A VW Autoeuropa, desde 2017, alterou o seu modelo de horário, da “semana clássica” de Segunda a Sexta-feira, para um horário de produção de Segunda a Domingo, incluindo o trabalho nocturno, de forma a atingir altos volumes de produção, situação que é do conhecimento público e que representa mais de 200 mil unidades produzidas anualmente, à excepção do ano de 2019, devido à pandemia de COVID-19.
Como é sabido, a produção massiva automóvel assenta num trabalho em linha, baseado em operações e tarefas repetitivas e monótonas. Para que se atinja volumes de produção como os que a fábrica da VW em Palmela apresenta, é necessário recorrer a elevadas cadências, ritmos elevados e sobrecarga de trabalho – condições por vezes extenuantes. Está comprovado cientificamente que a exposição diária aos factores/condições referidas, ao longo da vida dos trabalhadores, tem um impacto extremamente negativo na saúde dos mesmos, potenciando o aparecimento de lesões músculo-esqueléticas (LME) e outras doenças que advêm do esforço exigido no dia-a-dia.
Estes factores, aliados ao regime de horários praticados na VW Autoeuropa e nas empresas fornecedoras do parque industrial adjacente, provocam um desgaste físico muito mais rápido do que noutro qualquer tipo de actividade, mesmo comparativamente a algumas profissões já consideradas como de desgaste rápido.
Os números declarados pela própria empresa são a prova desta situação e do rápido desgaste físico e, muitas vezes, psicológico a que estes trabalhadores estão sujeitos, pela sua actividade profissional. Actualmente, a medicina do trabalho participa mais de 140 (possíveis) doenças profissionais e anualmente são certificadas pelo Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais (DPRP) mais de 110 doenças profissionais. E estes números têm vindo a aumentar anualmente.
Mas estes números, declarados e certificados, certamente estarão abaixo da realidade existente nessas empresas, por diversos factores, entre eles: o tempo médio para a certificação de uma doença profissional pelo DPRP, que ascende a mais de oitocentos dias; o medo generalizado, entre os trabalhadores destas indústrias, que os leva a esconder e a arrastar as situações, receando perder o seu posto de trabalho; o próprio condicionamento do trabalho dos médicos da medicina no trabalho nas empresas, pois estão “subjugados” aos interesses de quem lhes garante o salário.
As empresas não podem “lavar as mãos”, pois as doenças profissionais são provocadas pelo trabalho, quer pelas condições em que é realizado, quer pelas condições como é realizado.
Perante esta situação, é legítimo validar e reforçar as reivindicações inscritas pela FIEQUIMETAL na Petição, entregue na Assembleia da República, pelo reconhecimento de profissões de desgaste rápido em sectores das indústrias, pois as doenças profissionais contraídas têm um impacto negativo (ou até mesmo muito negativo) na saúde desses trabalhadores.
São conhecidos casos extremos, em que a incapacidade reconhecida, com as limitações físicas inerentes à situação, não permite aos trabalhadores continuarem a desempenhar as suas normais tarefas laborais, levando a que seja considerada a legítima antecipação da idade da reforma para estes trabalhadores, sem penalizações, tal como a melhoria das reformas por invalidez. Nunca se poderá descurar as necessárias acções preventivas que devem ser implementadas nas empresas, no sentido de prevenir esta realidade, que é sem dúvida um flagelo da indústria automóvel, hoje livre de responsabilidades para os empregadores e com altíssimos custos para a Segurança Social.
— Obter depoimento do Dr. Carlos Silva Santos em pdf
— Admitida petição, segue a luta até compensar desgaste rápido (31.10.2024)
— Grande jornada para entregar petição do desgaste rápido (22.9.2024)